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Ricardo Tacuchian é regente e compositor e Doutor em Composição pela University of Southern California. Sua obra (com cerca de 220 títulos) já foi tocada no Brasil, na maioria dos países da Europa e das Américas, num total de cerca de mil e quinhentas apresentações ao vivo, além de programas radiofônicos, no Brasil, Estados Unidos e Europa. A Bibliografia geral sobre ele inclui mais de 50 itens entre Livros, Dicionários, Livros de Referência, Artigos em Revistas Especializadas e Teses de Mestrado e Doutorado, além das referências em Encartes de Discos e Recortes de Jornais de várias partes do mundo.
Seu nome é verbete do Die Musik in Geschichte und Gegenwart, MGG (2007), do Grove Music Dictionary (2001) e do Baker’s Biographical Dictionary of Musicians. 9 th edition (2000), entre outras obras internacionais. Sua Discografia alcança cerca de 70 faixas em 35 diferentes CDs, inclusive gravações nos Estados Unidos, além de antigas gravações em LP (vinil). Já foram lançados 4 CDs dedicados exclusivamente à sua obra. Tacuchian possui mais de 100 trabalhos publicados e já pronunciou em torno de 200 palestras e/ou conferências, no Brasil e no Exterior.
Dentre as posições que exerceu destacam-se as de Professor Titular da UFRJ e da UNIRIO, Professor Visitante da State University of New York at Albany e da Universidade Nova de Lisboa, bolsista da Capes, CNPq, Other Minds, Appolon Stiftung, Fulbright Commission e da Rockefeller Foundation. Foi Regente Titular da Orquestra da UNIRIO (2002-4) e, em 2004, regeu na cidade do Porto um concerto coral sinfônico, todo ele dedicado à sua própria obra. Ê membro da Academia Brasileira de Música (cadeira 29 Alexandre Levy)
OPUS DISSONUS - Como se deu seu primeiro contato com a arte de compor? O que o
motivou a começar?
RICARDO TACUCHIAN - Comecei a estudar piano muito cedo. Como a maioria das crianças eu
brincava no teclado fazendo algumas improvisações. Algumas delas eu cheguei
mesmo a escrevê-las. O sentido era mais lúdico. Um consciência de carreira
de compositor eu só passei a ter depois dos 18 anos, a medida que minha
experiência musical (tocando ou indo a toda sorte de concerto) se avolumava.
Portanto, não há um momento marcante mas, sim, um inicio gradual quase
inconsciente. Tenho plena consciência que nasci compositor (como acredito
que ocorre com todo compositor) e fui descobrindo esta predisposição aos
poucos.
OPUS DISSONUS - Como funciona seu processo composicional?
RICARDO TACUCHIAN - Não recebo nenhuma inspiração especial para escrever uma determinada
peça, embora possa ter esboços de idéias que apareçam de vez em quando.
Neste caso, eu as anoto imediatamente num caderno de rascunho para
aproveitá-las ou não no futuro. Quando recebo uma encomenda, um pedido ou,
eu mesmo, resolvo escrever uma peça, este é o ponto de partida. Geralmente
fico algum período de hibernação que é tão grande quanto o de composição
propriamente dito. Preciso de um plano geral da forma a ser abordada que me
orientará na tarefa composicional.É claro, que no decorrer do processo, este
plano é sempre subvertido. Mas nunca parto do nada "para ver o que vai dá".
Quando, propriamente dito, começo a escrevera música, o processo é muito
rápido. É como que a peça já estivesse quase pronta no meu inconsciente.
OPUS DISSONUS - Qual ou quais compositores exerceram maior influência em suas
obras desde as primeiras composições até hoje?
RICARDO TACUCHIAN - No início de minha carreira, todos os compositores históricos do barroco
ao final do romantismo (que eu tocava em minhas aulas de piano ou ouvia em
concertos e no rádio) me influenciaram, especialmente Bach, Mozart,
Beethoven, Schumann e Brahms). Na minha infância assistia, o ano inteiro,
concertos de música de câmara, sinfônico e óperas. Sempre fui apaixonado
pelos filmes musicais americanos, na minha infância. Carnaval, folclore
(principalmente do norte-fluminense),bandas de música também me
influenciaram na infância. Em minha casa se ouvia muita música clássica pelo
rádio e por discos. Quando resolvi fazer os cursos de Composição e de
Regência e iniciei minha carreira propriamente dita de compositor
profissional, as influências mais marcantes de minha produção eram
Stravinsky, Bartok, Prokofiev, Schostakovitch, Debussy e Villa-Lobos. Mais
tarde incorporei influências de Mahler e de Schoenberg. Na minha produção
vanguardista, passei a procurar caminhos próprios. Hoje, longe do
nacionalismo musical e do experimentalismo como fim, adoto uma posição
estética mais eclética.
OPUS DISSONUS - Quais das suas obras podem, em sua opinião, serem consideradas
como “introdutórias” ou ainda “obrigatórias” aos que querem conhecer
melhor suas composições?
RICARDO TACUCHIAN -
Rio/LA (noneto)
Hayastan (orquestra sinfônica)
Minha obra para piano dos últimos 15 anos.
OPUS DISSONUS - Você menciona no seu CV que teve aulas com José Siqueira,
Francisco Mignone e Claudio Santoro. Como foi seu contato com estas
pessoas?
RICARDO TACUCHIAN - Siqueira foi meu pai espiritual na música. Ele me abriu os primeiros
caminhos da música do século XX. Mignone foi o homem mais musical que
conheci. Ele me ensinou a relatividade das coisas e da arte. Santoro me
ensinou a sempre procurar o novo e me abriu as portas da música de vanguarda
ou experimental que eu segui, no início, sem discussão, e hoje em dia, com
uma certa desconfiança.
Foi um privilégio ter três grandes mestres como eles, completamente
diferentes entre si, e que cumpriram diferentes funções em minha formação
musical. Sou muito grato aos três.
OPUS DISSONUS - O Senhor criou um novo sistema de controle de alturas chamado
Sistema-T. Poderia nos explicar o funcionamento deste método?
RICARDO TACUCHIAN - O Sistema-T foi a possibilidade objetiva que encontrei para me situar no
meio do caminho entre a tradição e a experimentação (a pós-modernidade). Não
se trata de uma estética mas uma mera ferramenta composicional de controle
das alturas. É também uma síntese de vários sistemas composicionais do
século XX que se articulam organicamente, sem prejudicar a unidade da peça e
permitindo oscilar de uma linguagem de caráter que vai do lírico ao
extremamente agressivo. Enfim, através do Sistema-T, consigo uma linguagem
nova (que é o objetivo de todo artista criador), sem prejudicar a minha
comunicação com o meu público. Durante a década de 90, minha obra está toda
baseada no Sistema-T. Atualmente eu uso esta técnica eventualmente,
combinada com outros recursos.
Sobre o Sistema-T já existem algumas teses e trabalhos(inclusive do
exterior). Para uma melhor compreensão de seus fundamentos sugiro:
TACUCHIAN, R. “Fundamentos Teóricos do Sistema-T”. Debates: Cadernos do
Programa de Pós-graduaçãoem Música, 1 (1997): 45-68.
TACUCHIAN, R. “Música pós-moderna no final do século.” Pesquisa e Música, nº
2 (1995): 25-40.
OPUS DISSONUS - Lendo seu catálogo de composições acabei encontrando obras que
parecem pertencer a "Série Especiarias" (mencionada no texto de um de
seus CDs) para diferentes instrumentações, sendo as obras intituladas:
PIMENTA DO REINO (1995), PÁPRICA (1999), MANJERICÃO (2003), NOZ
MOSCADA (2004), CASTANHA DO CAJU (2006), MANJERONA (2007). Existe
alguma história curiosa envolvendo estas obras? E podemos esperar
novas especiarias musicadas para o futuro?
RICARDO TACUCHIAN - A Série Especiaria é um projeto que desenvolvo há anos e vou compondo as
peças, à medida que as oportunidades ou encomendas aparecem. Pretendo
escrever para todos os instrumentos obras com as seguintes características;
1. Para instrumentos solos, sem acompanhamento; 2- peças curtas mas com
certo grau de bravura; 3- todas sobre o Sistema-T; 4- Cada uma com o nome de
um tempero (porque considero a culinária também uma atividade artística). Já
tenho o nome de todas as peças para os instrumentos que estão faltando.
Você não citou prontas e que já foram estreadas, como as anteriores:
ALCAPARRA e ALECRIM. Faltam, ainda, escrever: Coentro, Mostarda, Gengibre,
Açafrão, Alho, Hortelã, Cravo-da-índia, Louro, Pimenta Malagueta, Tomilho,
Orégano, Cominho e Sálvia. Assim, espero cobrir todos os instrumentos da
orquestra.
Sobre esta Série não existe nenhuma história particular: ela é apenas uma
fantasia músico-gustativa.
OPUS DISSONUS - Dentre os compositores brasileiros atuais, sua obra é uma das
mais tocadas e gravadas, tanto no Brasil como no exterior. A quais
fatores isso se deve?
RICARDO TACUCHIAN - Tenho o privilégio de ser um compositor muito tocado. O ano passado foi
excepcional para mim: mais de 100 execuções em público, além dos programas
radiofônicos e transmissões em rede pela televisão. A minha média anual
costuma ser em torno de 60 apresentações ao vivo por ano. Em geral 15% deste
total é no exterior. Em termos dos grandes compositores internacionais é
pouco mas em termos de Brasil, poucos compositores vivos têm esta
performance.
Quais os fatores que justificam este alto índice de execução?
Tenho consciência de que ser muito tocado não depende apenas da qualidade da
obra, mesmo porque o único critério de valor da obra de arte é a sua
permanência no tempo, depois da morte do artista. Existem alguns intérpretes
que se identificam com a minha música e outros que não querem saber
dela.Idem em relação aos públicos (prefiro usar no plural porque só escrevo
para o meu público, isto é, aqueles que se identificam esteticamente
comigo). O fato de ter uma carreira de compositor há quase meio século me dá
uma vantagem muito grande porque consegui produzir um repertório para quase
todos os instrumentos, conjuntos e gêneros. Assim, sempre tenho uma opção para
atender às necessidades específicas de cada intérprete ou conjunto. Afinal
de contas, esta é uma das funções sociais do compositor. Minhas chances de
ser programado são sempre maiores em relação a um compositor que tem um
número reduzido de obras compostas.
Sempre recomendei aos meus alunos de composição que eles tenham um papel
ativo na comunidade musical, criando projetos que possam divulgar a sua
música e a de seus colegas. Acima de tudo, sempre agir com muita ética. Você
aumenta seu prestígio e seu reconhecimento se seus colegas também sobem com
você. Haverá uma influência mútua positiva entre as carreiras. Para os meus
alunos eu dou o meu próprio exemplo.
Sei que o sucesso tem uma dimensão indelével e que pode esmaecer da noite
para o dia. É necessário estar sempre ativo, produzindo, promovendo,
escrevendo, propondo novos desafios aos intérpretes, para manter vivo o
espírito da música.
OPUS DISSONUS - A influência de Prokofiev e Bartok é bem forte nas suas duas
belas Sonatas para piano solo de 1966. O que o motivou a fazer as duas
Sonatas sob estéticas tão próximas e ainda quase que ao mesmo tempo?
RICARDO TACUCHIAN - Você percebeu isto com muita propriedade. Estas obras foram escritas num
único impulso criativo: comecei a escrever a Segunda Sonata, logo depois que
terminei a Primeira. Por isso elas são muito próximas quanto a linguagem.
Usei o piano percussivo de Prokofiev, com elementos subliminares de
brasilidade. É obra de minha primeira fase que eu preso muito mas cuja
estética eu abandonei, logo depois, nos anos 70. O que ainda está presente
em minha obra, até hoje, é a preocupação da exploração idiomática do
instrumento. Espero que você , algum dia, se anime a estudá-las.
OPUS DISSONUS - Diante de um catalogo de obras grande e diverso como o seu, que
vai de obra coral e intrumental solista até a música sinfônica, me
pergunto qual a sua preferência instrumental?
RICARDO TACUCHIAN - Não tenho uma preferência particular. Simplesmente atendo à demanda dos
intérpretes. O prazer de escrever música, para mim, é o mesmo seja para
violão, orquestra sinfônica, coro infantil ou qualquer outro formato. Esta é
a minha profissão e, mais que isso, minha forma de auto-realização.
OPUS DISSONUS - Muito se discute sobre os direitos autorais e a livre divulgação
de obras pela internet. Qual sua opinião sobre este assunto?
RICARDO TACUCHIAN - Sem dúvida, a internet mudou todas as concepções tradicionais sobre o
Direito Autoral. Entretanto, cada caso tem sua particularidade e o direito
do criador deve ser preservado. Eu, pessoalmente, não me importo que minha
música seja divulgada pela internet. As tiragens de CD de música clássica
são, hoje em dia, muito reduzidas e não é a sua divulgação na internet que
vai acarretar qualquer prejuízo maior. Ao contrário, enquanto uma edição de
CD com minha música alcança, no máximo, 2000 exemplares, esta música, na
Internet, pode ser ouvida por milhares (ou milhões) de pessoas no mundo
inteiro. Este fato novo traz um ganho para mim que antes eu não tinha.
OPUS DISSONUS - Quais são suas impressões acerca da mais nova geração de
compositores? Você os conhece?
RICARDO TACUCHIAN - Não vejo muita diferença da minha época. Muitos jovens lutando por um
reconhecimento, sendo alguns deles realmente muito talentosos e que chegam,
mesmo, a surpreender. Entretanto um alerta para os jovens: a conquista de um
lugar ao sol só se faz com muito trabalho e muita ética (além do talento
inato, é claro). Na carreira artística não existe o atalho. Todos têm um
longo caminho a percorrer.
OPUS DISSONUS - Em sua opinião, o que podemos esperar do futuro da música erudita?
RICARDO TACUCHIAN - Não acredito em teorias apocalípticas que afirmam que a música erudita
morrerá. Não concordo com o conceito que música popular (comercial) está se
fundindo com a música erudita, numa coisa só. A música erudita sempre
ocupará o seu nicho, na sociedade moderna, mesmo com toda a avalanche da
música pop (comercial). A imprensa endeusa uma música que não tem
consistência e desmerece a música erudita (principalmente a do presente)
como uma manifestação elitista. Não se trata de uma disputa entre gêneros:
cada música tem a sua função específica e, em qualquer lugar do mundo, a
música erudita terá um público menor porque a sua função não é apenas de
mero entretenimento mas um desafio poético que o homem sempre enfrentará de
desenvolver e decodificar novas linguagens que digam o que é indizível por
linguagens convencionais.
OPUS DISSONUS - Quais palavras o senhor diria aos aspirantes a compositor?
RICARDO TACUCHIAN - Lute por seu ideal.
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