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OPUS DISSONUS




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A ARTE DO ENGODO

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No dia 4 de julho de 2010 o programa Roda Viva na TV Cultura apresentou o maestro João Carlos Martins e, para meu espanto, apenas um dos que faziam a entrevista entendia algo de música erudita (Nelson Rubens Kunze, para quem quer saber). E confesso que isso me indignou profundamente, especialmente quando o maestro Martins, na sua “imensa” preocupação com a educação musical, fez afirmações que beiravam a ignorância plena em relação à história da música.
                         Antes de continuar, me sinto forçado a dizer que me sensibilizo com a situação do Maestro em relação aos problemas que teve com suas mãos, mas ao mesmo tempo sinto que é minha obrigação não me calar diante de uma inverdade que esta tomando dimensões astronômicas no nosso país graças a um marketing mal direcionado (para não dizer mal intencionado).
                         João Carlos Martins, sempre foi um pianista muito bom, teve oportunidades de se apresentar em ótimos teatros e salas de concerto, e recebeu diversas críticas muito elogiosas de nomes no mínimo interessantes. Mas é importante salientar que isso ocorre com milhares (sim, milhares) de pianistas no mundo inteiro graças a festivais e concursos. Em nenhum momento Martins foi citado como o maior virtuose de todos os tempos (o que o diferenciaria dos “milhares” que mencionei), até mesmo porque o repertório dele nunca foi realmente virtuosístico. E comentários infelizes do tipo “memorizei 400 obras de Bach quando tocava piano” (sendo que Bach escreveu menos de 230 obras dedicadas ao cravo que são hoje naturalmente adaptáveis ao piano, correspondentes aos BWVs.772 ao 994 para quem quiser conferir) ou ainda “eu tocava 21 notas por segundo” não mudam nada, afinal este número não representa o topo da capacidade humana quando se tem dez dedos e um instrumento com 88 teclas.
                         Me indigna ver alguém que se diz “especialista em Bach”, mostrar e divulgar o segundo Minueto que consta no “Pequeno livro de Anna Magdalena” como obra de J.S.Bach, sendo que a mesma foi composta por Christian Pezold (1677-1733) compositor alemão contemporâneo de Bach quase que totalmente esquecido hoje. Assim como também me indigna ver um maestro dizer que a quinta sinfonia de Beethoven possui as quatro notas mais importantes da história da música. Estas quatro notas são tão importantes para o povo quanto a frase “em terra de cego, quem tem um olho é rei”, e infelizmente poucos percebem como esta frase continua atual no seu real sentido e o quanto as quatro notas do Beethoven são mal interpretadas até agora.
                         Este tipo de educação tendenciosa somente serve para a locupletação do próprio Maestro e para os interesses politiqueiros e ignorantes do nosso governo incompetente pelo qual o próprio maestro diz ser “macaca de auditório” por prometer introduzir em 2011 a educação musical obrigatória nas escolas.
                         E quanto à esta “música obrigatória nas escolas”, trata-se de mais uma “carroça na frente dos bois” que está sendo implantada por esta gente sem cultura. Não temos incentivo para os músicos que tentam há longo tempo fazer suas carreiras. Não há apoio se os músicos não se sujeitam a propor projetos pela Lei Rouanet, onde uma série de “captadores” enriquecem às custas da arte e do trabalho alheio, e onde as empresas agem como se estivessem fazendo um favor para os artistas. Músicos eruditos são forçados na grande maioria a ficarem vinculados à universidades para poderem sobreviver, sendo que muitos não optariam pela docência, pois iriam preferir, por exemplo, serem concertistas, compositores, maestros da mais alta qualidade, coisa impossível, por questões de tempo de estudo, para qualquer acadêmico com muitos títulos.
                         O próprio Maestro Martins afirmou que ainda não existem professores suficientes, o que abre espaço para uma série de perguntas como: quem vai ensinar? O que vai acontecer com os que já estudaram e não tiveram apoio até hoje? Devem virar voluntários (eles não comem?) ou precisariam estes virar mendigos para somente depois receber uma esmola governamental, e a partir daí reestruturarem suas vidas como faz a maioria do povo?
                         Agora os politiqueiros querem começar a dizer por ai que formam “músicos talentosos” oriundos da pobreza?
                         Não resta dúvida que os alunos serão educados na arte de fazer “musiquinha popular de massa” com um sampler e/ou um violão afinado em dó, ré, mi, mó, mu para se apresentarem durante 2 minutos no programa “Criança Esperança” anual (ah, saudades do sociólogo Betinho).
                         Curioso este paternalismo que ludibria a opinião pública, onde as crianças podem TRABALHAR com “artes”, seja com danças de cunho sexual/sensual (como a dança do ventre, por exemplo), seja na TV, vide MAISA SILVA, ou até mesmo na música eletrônica como a MAYARA LEME de 15 anos, apresentada no programa “Profissão Repórter” da Rede Globo dia 6 de julho, que trabalha na noite como Disk Jockey, e mal consegue estudar devido ao cansaço da noitada, e o pior, com o apoio da mãe irresponsável que prefere usar a filha para ganhar dinheiro ao invés de dar educação de base para a menina. Onde estão os defensores do estatuto da criança e do adolescente? Por que não prendem esta “mãe”? Se a menina de 15 anos pode trabalhar na noite (nem falo sobre a exposição às drogas que isso gera) como DJ me pergunto por que a mesma não pode trabalhar como cortadora de cana ou lidando com a terra, plantação e outras coisas tão importantes para a sobrevivência da família que ela diz sustentar? Afinal ARTE é um trabalho como qualquer outro, é entretenimento para o público sim, mas o artista precisa ser um profissional, e profissionalismo é coisa de adulto, não?
                         Voltando ao Maestro, ele ainda falou sobre um sonho pessoal, “teremos mil (1000!) orquestras” (tocando o que? Asa branca e Tico tico no fubá?) Não adianta ter 1000 orquestras sem qualidade. Precisamos investir nas que já existem, e, quando todas tiverem oportunidades boas e espaço, aí sim poderemos pensar em construir mais uma, duas, três... Alias, me pergunto agora se a criação de orquestras não vai virar uma febre de políticos como virou a criação de ONGs para lavagem de dinheiro público.
                         Quanto ao programa Roda Viva, penso que para cada entrevistado, em vez de convidarem amigos do entrevistado como ocorreu (tanto que o Maestro falou sobre preferências e amizades pessoais de cada um dos entrevistadores) sugiro que “ALGUÉM COM CULTURA” da TV CULTURA escolha gente que realmente entenda do assunto para poder rebater besteiras ditas no ar por entrevistados, pois o povo crê em tudo o que é falado, enquanto quem entende do assunto começa a perguntar se o programa serve para informar ou apenas para dizer amém ao convidado.

07 de Julho 2010
Artur Cimirro

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