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Cadê o Cerrado Daqui?
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- Pois é, o senhor não sabe onde está o pequizeiro? Também não viu mais o angico, o araticum, barbatimão, buriti, capitão do mato, dedaleiro, jatobá, mandioqueira, caviúna, mangaba, pau terra, pau amarelo, pau de sebo, lixeira, Angelim, e tantas outras belas árvores desse lugar?
- Não sabe onde estão, ou pegou caminho errado? Quanto tempo faz que o senhor não aparece por essas bandas?
- Olha meu amigo, há uns seis meses e eu andava por estas paragens. Está certo que passei por aqui um pouco apressado, por conta do cansaço da viagem, e não via a hora de chegar na casa da minha mãe. A pobre já está velhinha e sem forças para me visitar na cidade. Marquei bem este lugar na memória para que na próxima vinda, eu pudesse me deter aqui a examinar de perto a diversidade de espécies contida no belo cerrado que me atraiu a atenção. Não posso estar enganado. É aqui mesmo! Lembro-me também de dois rios: um já quase morto, mas o outro, um bem estreitinho, de água límpida, com a grama derramada e lavada em seu leito, enfeitava os dois lados do rio e pareciam querer soltar-se da terra para percorrer com ele a viagem de destino incerto. Numa baixada, ele formava uma pequena lagoa, e crianças em algazarra nadavam ali. Uma ponte, e o tal rio continuava seu curso, agora um pouco mais largo. Mais adiante se entortava, e eu já não conseguia acompanhá-lo mais. Isso foi tudo o que eu pude ver e a memória a fotografar. Ah! Caminhei pelas ruas de terra, que se bifurcavam em dois pontos distintos. Havia também uma pequena chácara, e em sua entrada duas araucárias, pareciam sentinelas guardiãs. Uma era araucária macho e a outra era fêmea, e me pareceram bem velhinhas, já que o tamanho delas impressionava. Não quero acreditar que errei o caminho...
- O senhor não errou o caminho, apenas a paisagem mudou rapidamente, fazendo a confusão. O cerrado cedeu lugar para esse mundaréu de casinhas ou caixinhas de fósforo como o povo gosta de chamar. Por ora, o que restou do cerrado, não passa de meia dúzia de árvore minguada que fica lá no alto morro, e esse chão de terra batida. Quando chove, é um barro só, mas quando a estiagem se prolonga, é um poeirão que seca a garganta e avermelha os olhos. Os homens da prefeitura disseram que vão colocar asfalto, espalhar árvores nas frentes das casas, fazer uma praça com bancos e mesas de concreto para os idosos poderem se divertir jogando cartas. Para a criançada nada melhor do que gangorra, balanço e escorregador para se refastelar. Ah! Posto de saúde, creche, quadra esportiva, escola e tantas outras coisas boas deixa qualquer um doido para querer aqui morar e ver o tempo passar. O progresso é uma beleza!
- Está certo, pois o crescimento populacional não para, mas será que não poderiam fazer a cidade crescer sem tanta destruição da natureza? Há lugares que são verdadeiras relíquias ecológicas e deveriam ser preservadas a qualquer custo. E quais árvores irão plantar em frente das casas? As de cerrado é que não são, pois coisa mais difícil é fazer vingar uma delas.
- Pois fique o senhor sabendo que o povo não gosta de árvore plantada na frente da casa, seja ela de cerrado ou não. O povo gosta mesmo é só da sombra que ela faz, mas como fazem muita sujeira por conta das folhas que caem, e dá muito trabalho para varrer, preferem mesmo é um puxadinho onde churrasco e cerveja possam lhes entreter. Cada qual prefere deixar para o outro o serviço de cuidar das sujeiras que uma árvore é capaz de fazer. Agora, se algum maluco tiver uma árvore grande e frondosa, a discórdia logo aparece, pois aí todos se sentem os donos da sombra dela. Sabe como é, né? A rua sendo pública, a disputa é grande. O sol escaldante estraga e esquenta o carro, a moto, o cérebro... Sempre tem um doido que gosta de árvore na frente da casa.
- Mas aqui ainda não tem árvore nenhuma!
- Um dia vai ter uma aqui e outra acolá. Talvez até eu plante uma!
- E os rios?
- Rios? Ainda corre um pouco de líquido neles...
- Líquido?
- Sim, líquido viscoso e fedorento! Esgoto, meu senhor! Despejaram neles tanta porcaria que os rios morreram afogados. Nunca viu um rio morrer afogado? Não estou de brincadeira com o senhor. Vá e veja com seus próprios olhos os rios mortos, mas tape as narinas!
- E as pessoas que irão morar aqui? Por certo tomarão providências para ressuscitarem os rios!
- O senhor me desculpe o riso solto, mas o povo que vem morar aqui, se dá por satisfeito por ter sido sorteado e “ganho” essa casinhola para morar. Essa gente vai pagar prestações a perder de vista, mas acreditam que saíram no lucro.
- Passou da hora de investir em educação e cultura, não é mesmo? Tendo cultura e educação, o discernimento ajudará essa gente a pensar.
- Hoje eu estou com o riso solto, me desculpe novamente. Noto sua preocupação com o destino dos homens, mas o senhor precisa deixar o passado no lugar que é dele, e prestar atenção no presente. Como é que o ser humano vai ser manipulado se lhe for dado o saber? Ouça um conselho: cuide de si e da sua família, pois o mundo há muito tempo está perdido, e enquanto conversamos, urubus estão em quintal alheio morrendo de fome. Tempos ruins, onde nada se pode prever. O homem não vai parar para repensar seus atos; perceber que sem a natureza não se vive, e quando ele estiver definhando, recorrerá a Deus ou ao Diabo, na tentativa de ser poupado, e quando não for ouvido por nenhum dos dois, ainda assim colocará a culpa em qualquer coisa, menos nele!
Mas quanto pessimismo! Apenas lhe perguntei pelo cerrado daqui...
Pois é, ele teve mais sorte. Morreu antes de mim!

Nicete Campos
8/7/2014

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