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Sentimentos Aprisionados
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Todo e qualquer sentimento considerado “pesado” que um ser humano possa ter, deve ser sufocado: raiva, apatia, desespero, solidão, impotência, desamor, incoerência, medo, sofrimento, humilhação, e tantos outros que são considerados incomodativos para o meio em que se vive devem ser sumariamente abolidos e/ou disfarçados.

Em compensação outros sentimentos “belos” devem aflorar diuturnamente para que o indivíduo seja bem aceito pela sociedade em que está inserido: alegria, despreocupação, sensatez, coerência, afabilidade, amor, benemerência, paciência, humildade, subserviência, e quaisquer outros adjetivos que demonstrem estarem de acordo com a hipocrisia que rege as leis do “bom convívio”.

A questão é a seguinte: tem como programar o indivíduo? Por acaso ele não é uma somatória do “bem” e do “mal”? Alguns procuram o equilíbrio entre estas duas forças, mas será que é possível equilibrá-las permanentemente?

Muitas das doenças físicas e mentais são reflexos de uma corda bamba que sustenta esses antagônicos. Por mais vontade que se tenha em conseguir a sanidade holística, ela por si só não basta. O bom senso é um caminho a ser tentado, mas este desaparece quando alguma situação o desestabiliza. E qual é esta situação? Ela não tem peso igual para todos, já que cada ser é uno em suas subjetividades.

Resta, a qualquer indivíduo, tentar deixar sobressair o que melhor o conforta, o que não é nada fácil, pois mesmo aí, se deve saber fazer malabarismos, pois o seu conforto depende do conforto do outro. O sábio, e aqui não interessa se ele é falso ou verdadeiro, procurará se calar, ficar em cima do muro, se esconder, ficar invisível, pois não quer que respingos de qualquer ordem, venham lhe manchar.

Muitos sentimentos que poderiam/deveriam aflorar no ser humano, acabam por serem aprisionados por conta da insegurança em saber se haverá ou não a aprovação do outro.

Viver em sociedade não quer dizer que se deva considerar apenas o convívio com as outras pessoas que estão porta afora, mas também, e, principalmente com quem se divide o mesmo teto, a mesma comida, as mesmas rotinas, alguns gostos, algumas afinidades. Aqui mora o maior desafio de sobrevivência, pois é o lugar mais propício para se deixar fluir a maioria dos sentimentos antagônicos.

Na sociedade familiar (sejam dois ou mais indivíduos), o amor, o companheirismo e a solidariedade devem ser cultuados, seja qual for a situação. Com exceção de sentimentos e ações execráveis, os desentendimentos devem ser questionados e sanados, não deixando espaços para as dúvidas.

Aprisionar sentimentos considerados feios e deselegantes, apenas para enaltecer os egos dos que não aceitam contrariedades, ou por autopunição, ou ainda para aparentar nobreza espiritual, é no mínimo pedir para sofrer conseqüências desastrosas, pois os sentimentos precisam ser expressos com liberdade. Só assim se pode conhecer um pouco do outro, e, aceitá-lo ou não.

O que não vale é adoecer de tristeza por não se sentir compreendido, e conviver com as amarras das palavras mortas na garganta.

Nicete Campos
7/11/2011


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