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Mentira Nobre?
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A capacidade humana em mentir é percebida desde muito cedo. Segundo a teoria da psicologia revolucionária, a inteligência maquiavélica ocorre na idade humana entre os 4 e 5 anos, quando a criança inicia sua capacidade de mentir de maneira convincente.

As tradições éticas e filosóficas se dividem quanto a dizer se a “mentira nobre” é permitida, ou não. Platão acreditva que sim, enquanto Aristóteles, Kant e Santo Agostinho não a admitiam.

Interessante observar que a mentira é aceita, socialmente falando, pois ela assume diversas facetas consideradas necessárias para a preservação da integridade moral, física e espiritual do SER.

A intenção aqui não é falar das mentiras caluniosas inseridas em leis processuais, mas sim, daquelas valorizadas na sociedade e menosprezadas na ética.

A mentira social, se aplicada em casos extremos e necessários, como por exemplo, poupar pessoas de alguma desgraça iminente ou desesperador, pode-se dizer que ela é uma mentira qualificada como sendo “boa”. Em contrapartida, quando a dialética da “boa mentira” mantida entre duas pessoas e/ou um grupo, é sistematicamente usada, então é a hipocrisia quem dita as normas. Assim sendo, legítimo é afirmar que esse comportamento é próprio de temperamentos tacanhos e visões estreitas, contribuindo assim para que os nossos valores humanos sejam altamene reduzidos.

Não há moralidade em mentiras desnecessárias, e muitas delas, ao contrário do que o mentiroso possa argumentar, são prejudiciais, pois fazem com que o alvo dessas “mentiras boas” fique profundamente ferido em suas instâncias psíquicas, levando-o à uma série de problemas que variam desde a desconfiança no outro, passando pela angústia da “traição” até o isolamento total da sociedade a que pertence.

Há que se levar em consideração a natureza psicológica de cada um para a aplicação ou não das mentiras consideradas socialmente “boas”. Como a dificuldade em conhecer os meandros que regem um cérebro humano é de grau elevado, (vide que o homem não conhece a si próprio), urge o controle severo sobre essa prática maquiavélica que acompanha o SER desde os primórdios.

A dificuldade em não se mentir é grande, pois a impressão que se tem é que ela está impregnada em cada célula do corpo, sendo hereditária e imutável. É mais um desafio para a ciência, se o que se espera é a transformação na elevação moral do indivíduo.

A mentira é imoral, assim como tantos outros desvios de caráter, e ter ciência dela e suas implicações é o primeiro passo para se livrar dessa armadilha perigosa e contagiante.

Para se ter uma noção da potencialidade de uma mentira, basta verificar quantos políticos estão no poder graças à ela. Nesse caso, (em alguns outros também), a mentira tem mão dupla, pois os enredados praticam o “feedback”, ou usando ainda de bom humor o ditado popular “me engana que eu gosto”. Há aí a intenção da mentira aceita pelos dois lados, desde que se vislumbre ganhos diversos e diferenciados.

A “boa mentira” é tão bem aceita e tão intrínsica ao SER que praticamente não há divisores sociais que não lancem mão dela no seu dia-a-dia. Apenas para constar, há que se lembrar que para toda regra há exceção, mas é perceptível como para essa, as exceções são infinitamente menores.

Pais, filhos, amigos, casais fazem uso da “boa mentira”, acreditando assim que a estão usando em nome da paz, do bem-estar, da tranquilidade e do amor. A insensatez reside no fato de que a maioria das “mentiras sociais” são de uma clareza absurda. Sabe-se que o outro mente, mas finge-se que não percebe, pois do contrário o homem se sentiria só, dado o isolamento que a contestação provoca. Sequenciam suas vidas medíocres e de faz-de-conta, esquecendo-se que são algozes e vítimas de suas próprias armadilhas.

Há que se educar a criança. Dar-lhe subsídios reflexivos e seguros, exemplificar com ações coerentes e honestas, na tentativa da construção de um SER melhor, preparando-a para conviver numa sociedade equalitária e realista, onde a fantasia existente servirá tão somente para os folguedos líricos que embalam-na para o descanso.

“Para o conhecimento temos toda a vida, mas para a formação ética temos pouco tempo, pois a mentira e o vício se instalam rapidamente, sendo depois difíceis de extirpar” (Sócrates).

Nota: Dedico este texto ao meu mestre Haspásio, que não se cansa em me socorrer nas horas aflitivas e de perda de confiança no próximo, por conta da ausência de ética que leva, além de outras vertentes, às “mentiras boas” que tanto me incomodam.

Nicete Campos
16/2/2009


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