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O desprezo pelo suor alheio
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As cooperadas restantes

Pessoas simples de gestos, humildes no viver, pobres de maledicências, tornam-se presas fáceis de homens gesticulantes, de palavras difíceis, codificadas, porém certeiras. Ricos em espertezas burlescas plantam sementes que de imediato germinam, graças à necessidade de sobrevivência que a aridez de opção se encarrega de contaminar.

O homem evolui de tal maneira em sabedoria e tecnologia que acaba por involuir em sentimentos tão primários e inerentes ao ser, como por exemplo, o respeito e a preocupação com o próximo.

O egocentrismo, pai insano da desigualdade e da esperteza inóspita e cruel, anda por todos os cantos e age mais ou menos como um furacão – por onde passa destrói e imobiliza.

Fazendo uma analogia do que escrevi acima, e aproveitando-me também para exemplificar, cito o caso da Cooperativa de Produção de Mudas de Santa Eudóxia (distrito de São Carlos/SP).

Há cerca de três anos, vinte mulheres se encantaram com propostas de belas palavras, onde o que fundamentalmente lhes importava, era a perspectiva de mudar para melhor a vida sofrida que levavam.

A proposta feita pelos homens de palavras difíceis era boa. Elas poderiam sobreviver e comandar seus próprios destinos. Para tanto, bastava que se unissem e tivessem vontade de ganhar dinheiro. O restante não merecia suas preocupações, pois técnicos altamente qualificados tanto nas áreas relacionadas à agricultura como na burocrática, lhes dariam os suportes necessários. Material de consumo, como por exemplo, saquinhos plásticos, adubos químicos e orgânicos, herbicidas, pesticidas, algumas ferramentas, sementes diversas, e um pequeno barracão, também eram problemas que competiam às autoridades municipais. Afinal, estavam apenas querendo governar promovendo cada vez mais a justiça social. Havia um outro lado – o desenvolvimento regional coeso e participativo.

A idéia agradou e foi prontamente aceita. Assim, se estava bom para as partes interessadas, restava saber o local onde essa cooperativa teria lugar.

A Usina Ipiranga foi contatada para verificar a possibilidade de arcar com o aluguel de um terreno no Distrito de Santa Eudóxia. Prontamente houve não só o interesse por parte dessa Usina, como também ela se predispôs a ajudá-las em algumas outras necessidades decorrentes nos seus dia-a-dia.

Essas mulheres guerreiras começaram então a dividir seus tempos entre cuidar da casa e dos filhos, e do terreno que carecia de trabalho árduo. O suor corria nos seus rostos empoeirados, nas mãos os calos se avantajavam, o peso do trabalho fazia o corpo doer, mas o sorriso da vitória dava dormência boa, o suficiente para fazê-las sonhar e esquecer...

Aprenderam que primeiro teriam que investir para depois usufruir. Algumas cedo se desencantaram, e três meses após o início da empreitada, desacorçoaram, indo procurar quem lhes pagassem para trabalhar. Doze pessoas subsistiram. O brilho no olhar permaneceu, e a crença nos homens de fala boa não foi abalada.

Vez em quando vinham e satisfaziam algumas de suas necessidades, mas as visitas foram se espaçando, e elas foram se espertando. Houve pouca pressão, pois o medo da perda do trabalho que prometia futuro próspero, deixava-as sem opção. De qualquer modo, aquele trabalho árduo, a bem da verdade, lhes proporcionava ao menos a cada três meses, a bela quantia de mais ou menos cem reais. Para quem entrou somente com a cara e a coragem, já não estava bom demais?

A natureza sempre sabe o que faz, mas onde o homem põe a mão, ela deixa de ser responsável sozinha, e foi assim que intempéries foram se sucedendo, e quando a natureza pediu água, o lago não as alcançou. Alguém sugeriu irrigação, e foi aí que se descobriu o óbvio.

As mulheres também precisavam de mais saquinhos, sementes, herbicidas e adubos. Então, era só conversar com os homens do poder que tudo se resolveria.

Três anos passaram depressa. Uma quantidade razoável de mudas de árvores de grande porte foi “desovada”. Então está tudo bem, e o esforço foi compensado?

Recebi um telefonema no dia 28 de abril de 2004 de uma das NOVE restantes cooperadas, já que mais três haviam desistido dessa cooperativa há cerca de quatro meses. Apenas solicitou que eu fosse visitá-las. Marcamos para o dia seguinte.

Os poucos e pequenos canteiros estavam viçosos. O lugar estava limpo, e um pequeno brilho nos olhos de cada uma, ainda pude vislumbrar. Não souberam dizer exatamente o ganho mensal, mas me garantiram que, fazendo uma média, conseguiam no máximo R$ 50,00 (Cinqüenta reais). Média porque ganhavam e dividiam, apenas quando da venda de mudas, sendo essa quantia, ganho líquido, já que pagavam impostos como o COFINS, por exemplo. Não souberam especificar e não sabem o que significa essa sigla. Também isso não importava muito. O homem da prefeitura de São Carlos lhes trazia a conta pronta, e além do mais, a preocupação maior estava sendo voltada para as necessidades básicas dos vegetais.

Esse mesmo homem - que não souberam dizer seu nome completo -, também alertou que brevemente a cooperativa se transformaria em micro-empresa, já que não haviam conseguido o número suficiente de pessoas exigido para a formação desse tipo de empreendimento.

Enquanto papeávamos, a tristeza e a ira, conforme o rumo da prosa, me remetiam ao passado. Olhava para a placa de inauguração tardia – graças a Deus, de conformidade com o local e sua gente – e pensei no que eu poderia fazer para tentar ajudar.

E já que comecei, pretendo continuar. Segundo as cooperadas, as necessidades mais urgentes são:


1. implantação de equipamento para irrigação;
2. bomba costal para pulverização;
3. saquinhos plásticos 14 x 20,
4. herbicida (mata-mato);
5. retirada das fezes humanas que estão estocadas no único “quartinho” de uso geral ( ferramentas, banheiro, alimentos, água e coisas pessoais), e
6. o trabalho de um trator para limpar a represa.

O item 5 merece destaque, pois na nossa conversa informal, elas me confidenciaram que “os homens” da prefeitura disseram que serviria de adubo se misturados com adubos de animais. A solicitação da retirada das fezes humanas se deve ao fato de que elas não suportam mais conviver com a fedentina.

Solicitaram-me a gentileza de agradecer a Usina Ipiranga, por estar sendo a única a cumprir com o prometido, que é o pagamento do aluguel do terreno em data correta. Também o agradecimento pelas doações de material de construção onde um pequeno barracão está sendo edificado por elas mesmas. Essa obra se faz necessária para que possam lidar com as mudas ainda jovens, que não agüentam o sol escaldante.

Enfim, a expectativa esperançosa insiste em irradiar um sorriso tímido em cada um dos olhares daquelas mulheres. A minha esperança, é que essas divagações aqui colocadas, possam obter um pequeno sucesso que seja. Assim sendo, a certeza de ver o sorriso aberto da nova esperança chegando, já nos dará a sensação de persistência com final feliz.

Uma última colocação: que o suor dessa gente humilde não tenha sido em vão, afinal, o tipo de trabalho que elas fazem, com certeza, pessoas de belas palavras, jamais conseguirão fazer, pois somente o que sabem fazer é só prometer...prometer...prometer...



Nicete Campos
2/5/2004


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